TERESINA, ESPAÇO E TEMPO

12/02/2010 16:37

Se por um lado, Teresina apresenta ares de metrópole e causa a impressão de ser uma cidade limpa e bonita a quem nela chega, por outro carrega problemas sociais que surgiram com os impactos das transformações que sofreu com o passar das décadas. O aumento populacional, aliado à falta de políticas públicas que não acompanharam o ritmo dessas mudanças, são alguns dos fatores que contribuem para que isso ocorra.

A análise é do professor da Universidade Federal do Piauí, doutor em História, Francisco Alcides do Nascimento, que tem pesquisas e publicações acerca do tema cidade e memória. Em entrevista ao Acessepiauí, ele, que também coordena o grupo de pesquisa sobre cidades “Teresina, Espaço e Tempo”, falou sobre algumas das mudanças pelas quais Teresina passou a partir da década de 30 e quais as suas conseqüências nos dias atuais.

“Teresina nos anos 30 e 40 tinha cerca de 70 mil habitantes. Hoje possui em torno de 800 mil. Esses números significam muito, isso é um impacto, do ponto de vista demográfico, muito grande, mas isso não é um privilégio de Teresina. Dos anos 40 para cá, aconteceu também nas principais cidades brasileiras e do nordeste, como Salvador, Recife, Fortaleza, que hoje são metrópoles”, ressalta.

Horizontalização e aparecimento das periferias – Com o aumento populacional, a cidade se estendeu horizontalmente. Durante os anos 60, 70 e 80, era uma cidade fundamentalmente horizontal. A partir dos anos 60, chegando aos anos 70, Teresina também ganhou o primeiro problema de moradia, que é o aparecimento das favelas.

“Teresina sempre teve casebres, mas não se tinha chamado essas regiões de favelas. Um agrupamento pobre que vai ser destacado é a favela Cohebe. Ela ficava sob a linha de transmissão e em algum momento o município deslocou essa população para uma outra área. E a cidade foi criando essas periferias, esses bairros periféricos, com deslocamento de populações que moravam nas proximidades do centro”, explica.

Outro fator que fez com que a população fosse deslocada do centro para regiões periféricas foi a construção de avenidas, durante os governos de Alberto Silva (1971-1975) e de Dirceu Arcoverde (1975-1978).

“Nos governos de Alberto Silva e Dirceu Arcoverde a cidade de Teresina vai ganhar novas avenidas, vai se colocar linhas de ônibus. Daí foram abertas avenidas como a Marechal Castelo Branco e a Miguel Rosa. A abertura dessas novas vias provocou o deslocamento de pessoas que ali moravam para regiões desabitadas ou muito ralamente habitadas, no geral sem nenhum instrumento de infra-estrutura, como água, luz, telefone e calçamento. Nesses locais moravam gente e essas pessoas foram deslocadas para regiões onde não existia bairro, como onde hoje é Buenos Aires e o Mafrense”, conta.

Nos anos 80, um número grande de pessoas chegou a Teresina, segundo lembra o professor Francisco Alcides Nascimento, o que ocasionou impactos sociais. Esse deslocamento tem relação direta com um longo período de estiagem que atingiu todo o Nordeste, mas também com as mudanças que estavam ocorrendo na agricultura com a introdução de novas tecnologias. “A cidade não gerou o número de empregos necessários. Você vê o subemprego nas ruas de Teresina, seja vendendo verduras, nos calçadões, vendedores ambulantes, isso é um problema que foi gerado com a chegada de muita gente para cá”.

Processo de verticalização – Em meados da década de 80 e na década de 90, começa o processo de verticalização de Teresina. A arquiteta Kaki Afonso, disse ao Acessepiauí que o processo começou mais como modismo e se concentrou à margem do rio Poti. “Como nós não temos orla marítima, começou-se a ocupar a beira rio, que é a parte mais ventilada, verde, arborizada e aconchegante da cidade”, explicou.

O pesquisador Francisco Alcides Nascimento destaca que esse fato tem um significado simbólico na cidade: “esse processo de verticalização tem um significado no ponto de vista da concentração de renda na cidade, porque naquela área se concentrou a população bem nascida da cidade ou os novos ricos. Criou-se o argumento de que morar em apartamento é mais seguro, o poder da propaganda através de diferentes mídias. As empresas trabalham esse aspecto psicológico na população e ela se transfere para essa área”.

No final dos anos 50 para os anos 60, a população que morava no centro se deslocou para bairros que vão ser considerados nobres. “Como é o caso do Jóquei Club, Fátima, São Cristóvão, porque ainda era uma área com certa cobertura vegetal, uma área em que os ricos dessa cidade tinham apenas casas de final de semana, sítios”.

Mas nos anos 80 a população que morava na zona nobre voltou para o centro da cidade para morar em apartamento. “São as transformações espaciais. Se nos anos 50, 60, há uma segregação espacial, com bairros como Jóquei, Fátima, São Cristovão, é para lá que moram os ricos, em meados dos anos 80 e nos anos 90, essa segregação vai se dá através das construções das grandes torres de apartamento”, reflete.

Problemas sociais – Com o crescimento populacional, expansão horizontal, surgimento de novos bairros, de áreas que eram rurais e se tornaram áreas urbanas, os problemas sociais se agravam em Teresina, segundo o doutor em História.

“Isso teve um impacto nas administrações municipal e estadual, porque a população vai solicitar água, energia, telefone, calçamento. Por isso na periferia ainda existem áreas que não têm calçamento, esgotos enormes a céu aberto, muitas vezes atravessando o meio das ruas. E quando é inverno você vê as casas sendo alagadas, a falta de energia elétrica, as pessoas reclamando”, diz.

Segundo o professor, o poder público não acompanhou o crescimento urbano de Teresina para que esses instrumentos chegassem nesses locais. Para ele, a cidade tem problemas sociais graves que precisam ser encarados.

“Não vou dizer que não estão sendo. Talvez o poder público não tenha dado a devida atenção para alguns problemas. Por exemplo, o do desemprego, de jovens ficarem desocupados durante o dia. Talvez a escola pudesse funcionar o dia inteiro, para que os jovens pudessem ficar ocupados. Formar gente”, finalizou.

Agenda 2015 – O engenheiro, chefe do Departamento de Planejamento da Semplan (Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação), Carlos Antônio Alves Affonso, disse ao Acessepiauí que Teresina tem um plano diretor participativo, elaborado em 2002 e concluído em outubro de 2006.

“Todo o processo de elaboração do Plano Diretor, que recebe o nome de Agenda 2015, foi participativo, inclusive a discussão da legislação, que foi aprovada em 2006”, diz.

Segundo o engenheiro, o plano prevê toda a política de desenvolvimento urbano, política integrada de desenvolvimento, relacionando a preocupação da equipe e da sociedade, com o desenvolvimento sustentável. “Considerando os valores da economia local, com a sustentabilidade no que diz respeito ao meio ambiente, e também a preocupação com as características sociais, culturais da comunidade”, completa.

Ele ressalta que, inclusive sob instruções do Estatuto das Cidades, há preocupação com o atendimento da várias classes sociais. “Para as pessoas que não têm acesso aos lotes tradicionais e precisam ocupar ou morar em algum lugar, nós temos uma política. São a criação de zonas de interesse especial (ZIE) e essas zonas especiais atendem diretamente a população de baixa renda em vilas”.

Carlos Affonso explica que algumas áreas, como as avenidas de maior circulação, de Teresina são mais bem assistidas, devido à limitação de recursos, que exige a escolha das áreas mais movimentadas da cidade.

“Se você tem uma limitação de capacidade de trabalho, você prioriza os lugares de maior movimento. O serviço público funciona assim, sempre, em qualquer lugar do mundo. Se houver limitação de recurso, o dinheiro deve ser deslocado para atender o máximo de pessoas. De fato, algumas áreas nossas, principalmente as avenidas que têm maior circulação, têm um tratamento maior quanto à varrição e os cuidados com a rua. Por outro lado, a nossa coleta domiciliar de lixo não tem essa barreira, ela atinge a cidade toda, inclusive as áreas mais extremas”, ressalta.

Por Fernanda Dino _Acessepiauí