" O AMOR É COMO COCAINA. VICIA!"

12/02/2010 16:47

Ela se casou aos 23, separou seis meses depois, foi apaixonada por cinco homens completamente diferentes e não teve filhos porque 'era exploradora demais para isso'. Aos 63 anos, Helen Fisher, a antropóloga americana que mais fascina a opinião pública com estudos sobre o amor, recebeu Marie Claire em sua casa, em Manhattan, para falar de seu último e mais audacioso livro, Why him? Why her?, que divide a espécie humana em quatro categorias para explicar a curiosa (bio) lógica da paixão

 

Ph.d. em antropologia biológica pela universidade de Nova York, pesquisadora do Centro de Estudos Evolucionários Humanos da Universidade Rutgers (em Nova Jersey) e estudiosa das leis de atração entre homens e mulheres, há mais de 30 anos, Helen Fisher é a antítese do estereótipo monocórdico dos acadêmicos. Fala alto, gesticula bastante e abusa de superlativos como 'incrivelmente louco', 'maravilhosamente lindo' e 'perdidamente apaixonante'. Para ela, poucas imagens são tão entediantes quanto a da clássica família de comercial de margarina. Helen gosta de aventuras - afetivas, literárias ou antropológicas -, de viajar o mundo e mergulhar em seu principal objeto de estudo: o amor. É o que chama de uma mulher 'exploradora', adjetivo cunhado de um estudo feito, no ano passado, em parceria com o site de relacionamentos Chemestry.com.

 

Na ocasião, a antropóloga entrevistou 28 mil homens e mulheres sobre suas preferências e particularidades amorosas e genéticas. E dividiu todos eles 'em quatro categorias que nos ajudam a entender por que os humanos se envolvem com um tipo de parceiro e não com outro'. O resultado da pesquisa está no livro Why him? Why her? (Por que ele? Por que ela?), lançado nos Estados Unidos em janeiro e com previsão de chegar ao Brasil em novembro, pela editora Rocco. A obra compara o amor romântico e sua obsessão pelo objeto de desejo à cocaína e traz um perfil detalhado dos exploradores [seres aventureiros, sexuais, curiosos e autoconfiantes], dos construtores [os mais calmos, persistentes, tradicionais e organizados], dos negociadores [aqueles de imaginação fértil, intuitivos e idealizadores] e dos diretores [os mais decididos, independentes e estratégicos]. A seguir, a antropóloga, que recebeu Marie Claire com um simpático beijinho no rosto e um caloroso aperto de mão, em seu apartamento no Upper East Side, em Manhattan, fala sobre a lógica de atração entre esses quatro tipos de pessoas, as consequências físicas da dor de amor e a busca do ser humano por sua cara-metade.

 

Marie Claire: Em Por que amamos: a natureza e a química do amor romântico, seu penúltimo livro, você dividiu em três as funções neurológicas do amor. Agora, você divide a espécie em quatro. Como funciona esse tipo de classificação?

 

Helen Fisher: São coisas complementares. O livro anterior foi escrito a partir de um estudo que fiz com dois neurocientistas. Mapeamos o cérebro de 32 pessoas perdidamente apaixonadas. Algumas eram correspondidas, outras não, mas todas tinham um desejo incrivelmente louco de estar com seu objeto de desejo, uma fissura semelhante à de um viciado em cocaína. Isso é o amor romântico, um estágio intenso de sentimentos obsessivos, que provoca dor física se não for correspondido, um sentimento que vicia, como a cocaína, e é apenas uma das três atividades cerebrais que compõem as leis de atração. As outras duas são o desejo sexual, impulso que nos faz buscar diferentes parceiros até encontrarmos aquele com quem possamos, de fato, viver um romance. E, finalmente, o sentimento de ligação que nos faz tolerar a pessoa escolhida pelo menos tempo suficiente para criar um filho [risos]. Dentro dessas três atividades neurológicas que compõem a química do amor, há os quatro perfis de apaixonados e apaixonantes.

 

Uma fissura semelhante à de um viciado. Isso é o amor romântico, um estágio intenso de sentimentos obsessivos que provoca até dor física.

 

MC: Que perfis são esses e como se combinam?

 

HF: Os estudos de que falava somados à pesquisa que fizemos com os 28 mil internautas do site Chemestry.com apontam para a existência de quatro tipos de personalidade que se atraem. Os exploradores são pessoas com maior atividade cerebral de dopamina, um neurotransmissor de efeito estimulante, por isso têm personalidade mais aventureira, gostam de desafios e se entediam com a rotina, então se atraem por parceiros com o mesmo perfil. Já os construtores têm maior ação da serotonina, substância que promove sensação de prazer e calma, por isso são mais cautelosos, tranquilos e preferem estar com pessoas do mesmo tipo. Os negociadores, por sua vez, apresentam grande atividade de estrogênio, hormônio ligado a uma postura mais agregadora, e são seres muito cativantes e maleáveis que acabam se atraindo pelos diretores, aqueles com grandes doses de testosterona, hormônio de comportamento mais agressivo, que faz com essa categoria seja a mais decidida e independente.

 

MC: Saber isso ajuda a encontrar a pessoa certa mais facilmente? Aconteceu com você?

 

HF: Com certeza. Antes de pesquisar o cérebro, não sabia que o amor era um instinto que nos faz focar em uma única pessoa. Achava que era uma emoção. Hoje entendo mais os outros e a mim mesma. À noite, por exemplo, vou sair com um construtor. Adoraria me apaixonar por esse cara. Ele tem dinheiro, a minha idade, senso de humor, bom papo e é bonito. Mas não rola e sei por quê. Será a primeira vez que nos veremos depois de dois meses, então sugeri que fôssemos dançar em uma parte diferente da cidade porque ele dança bem e eu também adoro. Você acha que ele aceitou? Não! Vamos exatamente ao mesmo restaurante das últimas seis vezes em que saímos porque ele só se sente confortável em lugares que conhece. É um construtor: gosta de rotinas, tradições, evita imprevisibilidades. Graças aos meus estudos, sei que não vou convencê-lo a dançar nem a mudar. Só curto o que ele tem a oferecer [risos].

 

MC: Como especialista em amor, não é estranho que você não tenha conquistado o sonho de toda mulher: casar, ter filhos e uma família estável?

 

HF: Família estável, rotina? Isso é tudo que uma exploradora não quer. Fui apaixonada por cinco homens diferentes e vivi com todos eles, mas nunca tive filhos e não me arrependo. Sou exploradora demais para isso. Preferi saciar minha curiosidade antropológica de outra forma: indo ao cinema, devorando livros, namorando e mergulhando na carreira acadêmica [Helen já ganhou a maior honraria da antropologia americana, o American Anthropological Association's Distinguished Award].

 

MC: Mas você já foi casada? Viveu um grande amor?

 

HF: Casei aos 23 anos e me separei depois de seis meses. Percebi rapidinho que ele não era o homem certo para mim. Hoje, aos 63, sei que tive várias relações duradouras incríveis, mas vivo uma situação estranha. Há mais de 30 anos me relaciono com um homem maravilhoso, que, agora, está morrendo por conta de um câncer de garganta. Ele tem 84 anos e viveu comigo por 15. Não somos amantes há mais de 20, quando ele pediu que eu encontrasse alguém da minha idade para ficar junto de verdade. Hoje ele é um grande amigo e nossa relação está acima de qualquer barreira. Mas, nos últimos dez anos, também saí com outro homem fantástico. Ambos sabem um do outro e o mais novo sente ciúmes do mais velho. É um explorador/diretor que me deixa incrivelmente louca e eu adoro! Já embarquei em cada aventura com ele... mas sei que nunca teremos a intimidade que gostaria. Como não se pode ter tudo num relacionamento, deixei de lado a intimidade em nome da aventura e tem sido ótimo. Estamos animados com nosso próximo destino: Arábia Saudita!

 

MC: Ele é explorador/diretor? Uma mesma pessoa pode ter dois perfis?

 

HF: Sim. Como as categorias têm a ver com sistemas químicos do cérebro, somos todos uma combinação dos quatro tipos. O que muda é a quantidade de cada uma dessas substâncias. Em mim, por exemplo, a ação da dopamina e do estrógeno é mais expressiva do que a da serotonina e da testosterona. Isso me torna muito mais exploradora/negociadora do que construtora ou diretora.

 

MC: É possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo?

 

HF: Não, não ao mesmo tempo. No começo, enquanto se está saindo com várias pessoas, é possível sentir uma certa atração romântica por elas. Mas com o passar do tempo, a situação muda e a tendência é focar em apenas uma. Entretanto, você pode, sim, se ligar emocionalmente a uma pessoa, de forma íntima e amar mesmo outra.

 

MC: Você acredita em relacionamentos abertos?

 

HF: Não sou do tipo que fica dizendo o que as pessoas devem ou não fazer. Mas eu jamais poderia ter um relacionamento aberto. O amor romântico é sagrado demais para mim. Não dividiria meu parceiro com outra pessoa. E, de fato, não acredito que o cérebro seja quimicamente preparado para isso.

 

MC: Como, então, driblar a contradição entre o amor romântico e o desejo de traição?

 

HF: Trair, flertar, tudo isso é comum. Encontrei esse comportamento em 40 sociedades diferentes que já estudei. Acredito que desenvolvemos uma dupla estratégia de reprodução: uma tendência incrivelmente forte para nos apaixonarmos, formarmos um casal e criarmos nossos filhos como uma família, um time. E também uma forte tendência ao adultério, divórcio e a casar de novo.

 

MC: E, cientificamente, como você explica a traição?

 

HF: O adultério provavelmente se desenvolveu para que os homens pudessem ter mais crianças com genes diferentes e as mulheres, mais recursos financeiros e maior variabilidade genética na sua linhagem. Tudo isso é inconsciente, claro. Mas nos foi transferido, genética e culturalmente, por nossos antepassados.

 

MC: Depois de tanto analisar as relações, você se tornou mais fria em relação aos sentimentos?

 

HF: De forma alguma. É como saber os ingredientes de uma torta. Não muda nem um pouco o sabor dela. Você continua a comê-la com o mesmo prazer. Hoje sinto até mais empatia pelos outros. Quando olho um carrinho de bebê, sinto pena pela dor de um coração partido que terá um dia. Parece loucura, mas é como me sinto. Sofro mais pelos outros do que antes.

 

MC: Suas experiências afetivas inspiraram ou inspiram seus trabalhos?

 

HF: Não tanto quanto as pessoas pensam. Não tive traumas na infância que tenham me levado às pesquisas que faço nem considero o fato de não ter casado e tido filhos um fracasso. Ao contrário. Acho que me interessei por amor e sexo pelo fato de ter uma irmã gêmea idêntica. Na minha infância, perguntavam sobre nossas semelhanças e diferenças, o que me levou a querer entender mais as semelhanças e diferenças na natureza humana em geral, nos tipos de romantismo, no instinto sexual, nos relacionamentos...

 

MC: Sua irmã gêmea também é exploradora? Como é a relação de vocês?

 

HF: Ela também é uma exploradora/negociadora. Temos um temperamento muito parecido, apesar de realizarmos atividades completamente diferentes para viver. Ela é pilota de balão, pintora e vive no sul da França com seu marido francês. E, mesmo com a distância, somos muito unidas. Quando crianças, éramos mais próximas uma da outra do que da nossa mãe.

 

MC: Se você acha que o amor é um instinto, não acredita em cara-metade?

 

HF: Acho que há muitas 'outras metades'. E isso é ótimo. Existem mais possibilidades de bons encontros do que se imagina. Mas, em primeiro lugar, é preciso saber o que queremos e o que não queremos numa relação. A única forma de saber isso é pelo autoconhecimento. Eu, por exemplo, adoro compartilhar momentos de intimidade enquanto meu parceiro explorador não compartilha isso. Além disso, para mim, intimidade é abrir meus sentimentos. Para ele, é me convidar para um destino surpreendente. São referências diferentes dentro de uma mesma categoria exploratória. Quando entende isso, você para de levar tudo para o lado pessoal e as relações fluem melhor. Hoje, respeito o jeito dele de dividir intimidade. Não é igual ao meu, mas é válido, já que estou com ele porque quero.

 

MC: Então os perfis podem variar de acordo com o gênero? Um explorador homem pode ser diferente de uma exploradora mulher?

 

HF: Sem dúvida. Enquanto a jovem exploradora tende a se aventurar pela literatura, pelo cinema e pelas artes de modo geral, o jovem explorador se joga em aventuras de ação, como escalar, jogar bola e viajar.

 

MC: Quando você fala, dá a impressão de que, no futuro, vamos nos aproximar de um pretendente, em uma festa, e perguntar a que categoria ele pertence antes de darmos uns beijinhos...

 

HF: Esse é meu objetivo! É exatamente o que estou tentando: fazer com que a gente beije cada vez menos sapos [risos].

 

MC: Mas errar não faz parte do aprendizado?

 

HF: Sim, aprendemos com nossos erros. Mas não precisamos errar tanto, não é? Eu pelo menos gostaria de ter aprendido de uma forma menos dolorida. Quem dera ter tido a oportunidade de saber tanto há mais tempo [risos].

 

MC: Existem muitos casais que estão juntos há anos, se dão superbem e não são as combinações ideais que você propõe no livro. Por quê?

 

HF: Sem dúvida, existem exceções. Alguns construtores adoram os exploradores porque lhes dão energia, otimismo, novas experiências. Fazem com que eles se sintam para cima, bem dispostos. Já os construtores podem dar aos exploradores um lar, uma família, estabilidade, lealdade, pés no chão, pragmatismo. A relação dá muito certo desde que ambos se respeitem e tolerem. Quando me perguntam se opostos se atraem, digo: 'Depende de quem e como você é'. Veja o caso de Bill e Hillary Clinton. Ele é um negociador, tem talento com as palavras, é bom de discurso. E com quem ele se casou e vive até hoje? Com uma diretora. Hillary é direta, decisiva, pouco flexível e estratégica. Eles são uma ótima dupla. O mundo não entendeu por que ela não o deixou quando ele a traiu sexualmente. Só que há muito mais em um relacionamento como esse do que o componente sexual. Há combinações complexas de necessidades e ela provavelmente precisava de sua compaixão, idealismo, imaginação, talento com as palavras… E ele, da segurança, da decisão e do foco de Hillary. São pessoas muito diferentes, mas que precisavam uma da outra para seguir adiante. Não se pode ter tudo. Isso não existe. Vai sempre faltar algo. Sugiro olharmos para as características boas que podem ser encontradas em outra pessoa e ver se valem a pena de acordo com o que procuramos.

 

MC: Alguma dica para quem está solteiro e cansado das escolhas erradas?

 

HF: Primeiro: descubra mais a seu respeito. Depois, não perca tempo tentando mudar os outros. Isso nunca funciona. Alcance as pessoas falando a língua delas. Use as palavras que elas usam, partilhe de suas referências. Fiz um estudo sobre as palavras mais usadas por cada tipo de personalidade. O explorador usa muito as palavras 'aventura', 'novo', 'mudança', 'ativo', 'viagem'. Já o construtor prefere 'família', 'respeito', 'moral'. Quanto às dicas: os exploradores não devem ir tão rápido com tudo. Precisam tomar cuidado com quem se relacionam. Os construtores não devem ser tão modestos. Podem se valorizar mais, mostrar as plumas e não precisam apresentar o novo amado rapidamente ao círculo social. Devem buscar mais momentos de intimidade a dois antes disso. Os diretores precisam tomar cuidado para não serem rudes, agressivos ou impacientes demais e devem dar mais atenção às suas relações pessoais do que ao trabalho, por mais difícil que isso possa ser. E os negociadores precisam aprender a dizer não. Muitas vezes acabam cedendo para as pessoas erradas, tornando-se capachos. Precisam pensar menos e viver mais. Finalmente, precisam saber que nem toda pequena atitude que uma pessoa tome tem um grande significado. Não se leve tão a sério, nem a vida. E para todos: 'Não desistam tão facilmente do amor'.

 

MC: Podemos mudar de personalidade ao longo da vida? Ser mais explorador quando jovem e negociador com o passar dos anos?

 

HF: A dopamina, hormônio da aventura, diminui com o passar da idade. Mas o temperamento não muda, apenas a intensidade. Um homem do tipo diretor, agressivo quando jovem, torna-se menos agressivo quando envelhece por conta da diminuição de testosterona. Mas ele vai continuar a ser mais agressivo que um negociador, por exemplo.

 

MC: Se as escolhas afetivas também são hormonais e neuroquímicas, o uso de antidepressivos e ansiolíticos pode alterar nosso gosto?

 

HF: Sem dúvida. E o mais louco de tudo é que só nos Estados Unidos, são prescritos mais de 100 milhões de antidepressivos anualmente. Ou seja, é bom termos cuidado com quem estamos nos envolvendo. Pode ser que seu parceiro esteja agindo de forma diferente por conta de remédios.

 

MC: Podemos, simplesmente, escolher que não queremos nos apaixonar?

 

HF: Não. Imagine que você entra numa sala com 40 pessoas. Automaticamente 'escaneia' todos que estão ali e, de repente, fita alguém atraente. Esse sentimento é incontrolável. O que é possível, isso sim, é controlar as ações. Decidir não seguir adiante, não agir, não conhecer a pessoa. Você pode pegar seu casaco e sair correndo. Mas não pode controlar a atração que sentiu. Acontece tão automaticamente que não se pode evitar.

 

POR THIAGO LUCAS, DE NOVA YORK.